Trata-se de uma experiência. Quando 1989 nasceu, tinha
início um ano que deve ser permanentemente revisitado. Luiza Erundina assumia a
Prefeitura da cidade de São Paulo e, não creio que tenha sido obra do acaso,
assumi a superintendência do Centro de Treinamento da Companhia de Engenharia
de Tráfego da mesma cidade.
Creio que tanto eu quanto ela – mas, muito mais eu que ela –
iniciávamos uma relação com o que chamarei aqui de “máquina de Estado” e que
nos marcaria indelevelmente. A nós e a muitos como nós. Naquele ano, para não
me perder em meio às necessárias restrições escalares, parte considerável da
região metropolitana passou a ser administrada pelo PT e nós deixamos a
desconfortável condição de militantes do chamado movimento popular e nos
tornamos funcionários de Estado em nome do movimento popular.
Minha trajetória, muito mais curta que a da maioria,
terminaria 10 meses depois. Muitos dos companheiros daqueles tempos continuam
seu caminho nessa ambígua ante sala entre a condição de militante e a de
funcionário. Mas, só marginalmente, isso terá importância nesta quase crônica.
O que 1989 nos mostra, mais que militantes de carteira
assinada é o avanço de um tipo muito específico de relação rumo ao Estado:
aquela que se define pelos parâmetros do movimento sindical e que, naquela época,
mimava e minava o governo Erundina.
A lógica do sindicalismo se fortalece como alternativa
política e toma conta do PT enquanto uma forte corrente interna. É o
sindicalismo e, portanto, os sindicalistas e suas perspectivas que darão o mote
geral do processo e é nesse movimento que teremos Lula presidente.
A logica sindical toma conta da máquina federal e amplia
substancialmente o número de funcionários. O que nos levaria a outra crônica é
a constatação do papel do Estado como legitimador das fragilidades discursivas
da esquerda. Iniciado no período FHC/Erundina (não me engano no jogo escalar)
os marginais da ditadura militar se tornam situação, e como tais abandonam a
disputa pública da legitimidade e se apropriam da condição de falar em nome do
Estado como se isso os legitimasse a priori.
Mais que FHC, e, por isso mesmo, muito mais que a ideologia
da oligarquia paulista, o sindicalismo conquistou a condição de tornar,
definitivamente, o Brasil um país capitalista. O que torna incontestável o
papel de Lula como estadista e a marginalização da esquerda como projeto de
sociedade. De qualquer forma, a figura máxima desse processo sobrevive aos
caçadores de direita (como parte considerável da grande imprensa) e ao “fogo
amigo” dos militantes com carteiras assinadas.
Sobrevive a tal ponto que foi capaz de tornar Dilma Russef a
presidenta eleita que, sem o carisma do nosso estadista, acaba realizando a
prática moral que tenta manter à distância os chamuscamentos do “fogo amigo”.
Acontece, no entanto, que o sindicalismo e sua lógica parece
se apossar de algo para além do caminho que conheceu tão bem: a mediação
política. Aparentemente blindado, o Aquiles brasileiro tem se esquecido de
proteger seus calcanhares. Imagina que poderá fazer de Haddad outra Dilma e para
tanto aperta as mãos de Maluf como se imune fosse aos venenos do inimigo.
Fico a pensar: será que, finalmente, Maluf conseguiu
derrotar Lula? Sem tropas, sem polícias, sem torturas: somente com uma promessa
de 90 segundos a mais na TV.
Interessante. Até o momento, no país dos funcionários, o
emprego da militância parece se garantir pela fantasia de que a lógica sindical
está acima de qualquer suspeita. Acontece, no entanto, que tal como de outras
vezes, a visita a Maluf tem o formato acabado da traição política, sem carregar
consigo a mediação do estadista.