quinta-feira, 21 de junho de 2012

O Brasil, o Pt, o Maluf – crônicas quase possíveis.


Trata-se de uma experiência. Quando 1989 nasceu, tinha início um ano que deve ser permanentemente revisitado. Luiza Erundina assumia a Prefeitura da cidade de São Paulo e, não creio que tenha sido obra do acaso, assumi a superintendência do Centro de Treinamento da Companhia de Engenharia de Tráfego da mesma cidade.
Creio que tanto eu quanto ela – mas, muito mais eu que ela – iniciávamos uma relação com o que chamarei aqui de “máquina de Estado” e que nos marcaria indelevelmente. A nós e a muitos como nós. Naquele ano, para não me perder em meio às necessárias restrições escalares, parte considerável da região metropolitana passou a ser administrada pelo PT e nós deixamos a desconfortável condição de militantes do chamado movimento popular e nos tornamos funcionários de Estado em nome do movimento popular.
Minha trajetória, muito mais curta que a da maioria, terminaria 10 meses depois. Muitos dos companheiros daqueles tempos continuam seu caminho nessa ambígua ante sala entre a condição de militante e a de funcionário. Mas, só marginalmente, isso terá importância nesta quase crônica.
O que 1989 nos mostra, mais que militantes de carteira assinada é o avanço de um tipo muito específico de relação rumo ao Estado: aquela que se define pelos parâmetros do movimento sindical e que, naquela época, mimava e minava o governo Erundina.
A lógica do sindicalismo se fortalece como alternativa política e toma conta do PT enquanto uma forte corrente interna. É o sindicalismo e, portanto, os sindicalistas e suas perspectivas que darão o mote geral do processo e é nesse movimento que teremos Lula presidente.
A logica sindical toma conta da máquina federal e amplia substancialmente o número de funcionários. O que nos levaria a outra crônica é a constatação do papel do Estado como legitimador das fragilidades discursivas da esquerda. Iniciado no período FHC/Erundina (não me engano no jogo escalar) os marginais da ditadura militar se tornam situação, e como tais abandonam a disputa pública da legitimidade e se apropriam da condição de falar em nome do Estado como se isso os legitimasse a priori.
Mais que FHC, e, por isso mesmo, muito mais que a ideologia da oligarquia paulista, o sindicalismo conquistou a condição de tornar, definitivamente, o Brasil um país capitalista. O que torna incontestável o papel de Lula como estadista e a marginalização da esquerda como projeto de sociedade. De qualquer forma, a figura máxima desse processo sobrevive aos caçadores de direita (como parte considerável da grande imprensa) e ao “fogo amigo” dos militantes com carteiras assinadas.
Sobrevive a tal ponto que foi capaz de tornar Dilma Russef a presidenta eleita que, sem o carisma do nosso estadista, acaba realizando a prática moral que tenta manter à distância os chamuscamentos do “fogo amigo”.
Acontece, no entanto, que o sindicalismo e sua lógica parece se apossar de algo para além do caminho que conheceu tão bem: a mediação política. Aparentemente blindado, o Aquiles brasileiro tem se esquecido de proteger seus calcanhares. Imagina que poderá fazer de Haddad outra Dilma e para tanto aperta as mãos de Maluf como se imune fosse aos venenos do inimigo.
Fico a pensar: será que, finalmente, Maluf conseguiu derrotar Lula? Sem tropas, sem polícias, sem torturas: somente com uma promessa de 90 segundos a mais na TV.
Interessante. Até o momento, no país dos funcionários, o emprego da militância parece se garantir pela fantasia de que a lógica sindical está acima de qualquer suspeita. Acontece, no entanto, que tal como de outras vezes, a visita a Maluf tem o formato acabado da traição política, sem carregar consigo a mediação do estadista.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Notícias da Antiguidade Ideológica



Depois de ler o texto de Cláudio Benito de Oliveira Ferraz - Professor da UNESP - Presidente Prudente, onde ele se "digladiava" com a urgência de sistematizar as fortes impressões que o filme Notícias da Antiguidade Ideológica: Marx, Eisenstein, O Capital (Versátil, 2011), que o cineasta alemão Alexander Kluge provocou com suas quase 9 horas de duração não resisti e, tal como ele, me dediquei a assistir esse magistral e incômodo exercício cinematográfico.

Poesia e teatro, entrevistas e balé, exegese e delírio e os personagens citados no título vão tomando conta de uma trama que só a retomada de Eisenstein poderia provocar. Com o filme ainda passeando pelas retinas confirmei o quão interessante é o texto de Cláudio - o qual, se não me engano, está sendo publicado pela revista de geografia da UFGD (intitulada Entre-Lugar) - o qual, em busca de alguma sustentação, vai em busca de Deleuze e Guaterri, mas, no meu entender, consegue achar dentro de si mesmo a condição necessária para os comentários que desenvolveu.  .

Hoje acessei o texto de Alexandre Pilati (cujo link postei no Twiter) e não vi outra alternativa que convidar a todos a se debruçarem sobre este filme imperdível.
Só como exercício inicial vale acessar um dos trechos disponíveis no You Tube (http://www.youtube.com/watch?v=C3a9FmMyIPg&feature=fvwrel), o qual pode ser uma referência interessante para o que tendemos a chamar de "leitura da paisagem". Convido a todos a acompanhar o video lembrando que, também no You Tube, há outros fragmentos magistrais.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Geopolítica

Hoje, observando os comentários de uma aluna de Relações Internacionais (Karliene Castelari) me deparei com a seguinte afirmação: o Estado transforma a geografia (topologia) em geopolítica.  
Num primeiro momento tentei me lembrar se tal frase teria sido dita por mim e, rapidamente, conclui que não. De qualquer maneira, está dada como uma tese viável para o formato geral do imperialismo contemporâneo. Como diria o grande Saramago (em seus Cadernos de Lanzarote), é presico descarnar as palavras, desvendar seus significados e aqui fica mais uma proposição para o debate.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Os comentários de Vicente di Cioni



O texto a seguir me foi encaminhado pelo amigo Vicente di Cioni, professor titular
 de Teorias e métodos da Geografia na Universidade de Buenos Aires. Como disse a ele quando recebi os comentários, esta é a primeira manifestação escrita que recebi sobre um texto que foi publicado na revista Terra Livre número 30, de 2008. Bom, pedi a ele que me desse a honra de colocar esses comentários em meu blog. Lá vai:

Acabo de finalizar una primera lectura rápida de “Sobre as armadilhas que construimos e o que devemos fazer con elas” de Douglas Santos, en el que expone las caídas positivistas del pensamiento crítico al soslayar la unidad de los momentos subjetivos y objetivos de la realidad.
El texto de Douglas es interesante por haber resaltado la caída positivista de la geografía crítica en tanto se pregunta más por el objeto que por el sujeto del quehacer geográfico y por el proceso mismo de tal quehacer.
La crítica alcanza a Milton Santos quién sostenía en su "La naturaleza del espacio" (sin más ni menos) que el objeto de la geografía, en su caso "el espacio geográfico",  es el que determina el corpus disciplinario, es decir, el sujeto que hace la geografía. El libro de Milton Santos data de 1997. Extrañamente fue un texto que “conmovió” a muchos por diferentes motivos. En mi caso lo fue por haber tomado cierta distancia metodológica con un texto de 1982
Esta cuestión crucial la tuve siempre presente desde mis incursiones como estudiante de Geografía y, antes, de filosofía y sociología. La idea fue plasmada en un pequeño texto crítico que algunos compañeros de militancia escribimos en 1973 a modo de manifiesto programático al hacernos cargo de la dirección del Instituto de Geografía y el Departamento de Geografía de la UBA.
En 1985, con motivo de mi retorno a la Universidad (fui desterrado junto con muchos por la derecha peronista en 1974), emprendí una búsqueda histórico-geográfica-sociológica de esa disciplina que se dió en llamar geografía. A tal efecto me sirvieron fundamentalmente las Lecciones de la historia de la filosofía, La Enciclopedia de las ciencis filosóficas, La Lógica y Filosofía de la historia de Hegel.
Siguiendo a Hegel, sostuve que la geografía había perdido la unidad de los momentos subjetivos y objetivos de la realidad, los que que combinan en la noción hegeliana de "Idea", siendo la "Idea absoluta" la praxis histórico social que "producen" la conciencia y sus contenidos. La identidad sujeto-objeto la consideré clave. Con el tiempo definí sencillamente al momento subjetivo como conjunto de procesos diversos de organización de la realidad como totalidad y de sus partes. Luego la multiplicidad de objetos y su unidad o totalidad es el resultado de cierta organización, la cual no es otra cosa que la praxis colectiva e individual.
A partir de este supuesto cometí la herejía "científica" de sostener que eso que llamamos geografía es la unidad desigual y contradictoria de todas las formas histórica y geograficamente producidas y por producirse, entre ellas las lógicamente posibles. Esta definición era y es, sin duda, muy abstracta, pero también muy concreta, según se mire. Implica reconocer que hay, en primera instancia, muchas geografías y geógrafos y que tal reconocimiento era fundamental a la hora de comprender la dispersión de representaciones y prácticas con sentido democrático, lo cual implica el reconocimiento de unos y otros.
En términos más concretos definí, luego, a los objetos como formaciones económico sociales. Esta noción, sabemos, denota y connota la diversidad de momentos objetivos y subjetivos. Lo central no está dado por el producto-formación, sino por la "formación" como proceso desigual y combinado de "organización" de lo real.
En síntesis: creo que, por diferentes caminos, hemos llegado a la misma conclusión: es necesario no caer en las trampas (armadilhas) del empirismo positivista, entre ellas sus vertientes "logicistas" proclives a las definiciones formales desdialectizadas y, por lo tanto, abstractas.
[El Palomar, 12/06/2012]