quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Os moçambicanos pensam em uma língua e falam em outra


Quando chegamos à Beira revi um ex orientando (e agora amigo) Raimundo Mulhaisse e o coordenador do programa de pós, o professor Suluda.
Lembro aqui a frase de Suluda que, imediatamente, registrei para reflexão: “os moçambicanos pensam em uma língua e falam em outra”. Eu completaria: os moçambicanos pensam em mais de trinta línguas e falam somente em uma e é com base nesse princípio que nós, os professores brasileiros, devemos entrar nas salas de aulas.
Voltas e voltas pela cidade e, novamente, me defronto com uma praça (trata-se de uma rotunda ou, como dizemos em São Paulo, de uma rotatória) que exibe majestosamente em seu centro uma garrafa da Coca-Cola. Ela não disputa com qualquer outra figura e, efetivamente, poderia ser entendida como uma homenagem, se não soubéssemos que os custos dessa “obra de arte” foram financiados pelo “homenageado”.
De qualquer maneira, como chegamos em torno das 21 horas, a cidade parecia calma ou, como se comentou naquele momento: Beira é uma cidade diurna.
O dia seguinte foi marcado pelas homenagens à cidade. Um feriado que mereceu um grande desfile na “Praça da Cidade” com direito a banda militar, danças locais, apresentação de motocicletas e desfile equestre. Enquanto o desfile circula a praça, as autoridades observam tudo com ares que só as autoridades de todo o mundo conseguem expressar ou, em outras palavras, não há surpresas em toda a movimentação.
Alguns minutos depois sentamo-nos num café e conhecemos uma dupla de arquitetos portugueses procurando caminhos que podem ser mais produtivos na África que na Península Ibérica. Como uma espécie de cacoete profissional, estavam fotografando o estilo arquitetônico que marcou a presença de um outro arquiteto português nos idos dos anos 60 e 70.
 Na manhã seguinte uma visita à orla e, estarrecido, vi-me frente a frente com o que restou de um majestoso hotel (o Grande Hotel) que, com a independência, foi invadido pelos que buscavam um lugar melhor para viver. Fico a tentar adivinhar o que será que, naqueles dias, povoou a imaginação daquele povo. O que será que significou poderem dormir naqueles quartos de hotel cinco estrelas e, como e porque, tudo foi se deteriorando, tornando-se a paisagem que marca algumas das cenas mais longas do filme “Língua Portuguesa”.
Andando às tontas pelas ruas resolvemos pedir ajuda e um senhor (de sobrenome Americano) que, surpreendentemente, nos pediu para esperar. Minutos depois tira seu automóvel da garagem e nos convida a entrar. Rapidamente nos conta que já está chegando aos 90 anos e, dirigindo sem quaisquer dificuldades, nos leva a passear pela orla, nos apresenta a praça recém inaugurada em homenagem a Samora Machel, nos conta historias e nos leva de volta ao centro.
Realmente Beira é uma cidade diurna. O movimento de pessoas e veículos é intenso por aquelas ruas. Enquanto os olhos vão se acostumando à presença dos edifícios que há muitos anos não recebem uma pintura externa, no amontoado de grades que os cercam vê-se roupas a secar e, vez ou outra, alguém lançando dos andares mais altos algo que já não mais lhe serve.
Pelas ruas chamam a atenção algumas estudantes que têm como uniforme uma saia verde que lhes toca os pés. A escola era relativamente próxima de onde estávamos e as meninas não pareciam incomodadas com a vestimenta: sentada na calçada, algumas conversavam alegremente.
Algumas horas depois as aulas começaram... mas vamos deixar esse assunto para outro dia. 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Noticias de Maputo


No momento estou em Moçambique, mais precisamente em um hotel na avenida 24 de julho, em Maputo. Aqui já nos aproximamos das 10 horas da manhã e isso me faz lembrar que em São Paulo os relógios se aproximam das 5.
As notícias do mundo não são muito boas. Os escândalos da taxa Libor parecem buscar caminhos para as manchetes dos jornais e a crise se alonga, por entre os dentes ferozes da corrupção, enquanto a policia sul africana mata dez mineiros num confronto de resultados inexplicáveis para o pós apartheid.
Num olhar rápido sobre a cidade o que observo é que as ruas estão mais limpas, as máquinas estão presentes em algumas delas refazendo o asfalto e diminuindo o aspecto lunar das pistas de rolamento, os vendedores de rua – quase sempre insistentes – diminuíram em número e incisividade enquanto a mais nova empresa de telefonia celular parece ganhar legitimidade (uma joint-venture entre a FRELIMO e uma empresa vietnamita) pela qualidade dos serviços, os edifícios públicos vão tomando conta da paisagem tanto na cidade baixa quanto nas grandes avenidas (como a 24 de Julho e a Julius Nyerere), tornando a presença do Estado algo mais e mais ostensivo e, por fim, a quantidade de automóveis se multiplicou exponencialmente e, com eles, um trânsito caótico onde pedestres e automóveis se confundem, as calçadas tornaram-se estacionamentos públicos, os motoristas nervosos gritam, buzinam, questionam-se uns aos outros e a vida segue como se nada muito grave esteja acontecendo.
Enquanto isso, já no seu último dia, meu curso de teoria e método foi se realizando. Trata-se, sempre, de uma experiência carregada de surpresas (de ambos os lados) e muito exigente. A ausência da bibliografia e do hábito sistemático da leitura acadêmica transforma o curso em algo tenso e maravilhoso onde as emoções e a experiência de vida de cada um de nós vai se transbordando para dentro do debate. Preciso incorporar o espírito de Mia Couto para contar tal aventura e, ao que parece, ele não está disponível.
Dentro de mais alguns dias tudo vai recomeçar na cidade da Beira. Outros alunos, outras culturas, outras emoções. Não me recordo de ter experimentado, em quaisquer outros trabalhos que tenha realizado, tanto cansaço ao final de cada aula e, ao mesmo tempo, tendo produzido tanto... Trata-se da minha antinomia pessoal.