quarta-feira, 25 de junho de 2014

O significado de escola


Colocar a escola em discussão no Manual do
Professor de um livro didático pode parecer um
exagero. Acontece, no entanto, que é impossível
compreender o significado de uma disciplina escolar
fora do contexto onde ela se realiza de fato,
isto é, no interior da instituição escolar e a serviço
da existência dela.
Assim, juntamente com mais de uma dezena de
outras tradições científicas, a Geografia tem participado
ativamente da constituição e desenvolvimento da 
escola moderna, isto é, daquela que foi criada
no transcorrer do intenso processo de urbanização
realizado nos séculos XVII e XVIII, cujo objetivo
era inserir os migrantes do campo na vida urbana
– e em suas novas formas de trabalhar –, bem
como garantir o consumo de objetos maquinofaturados,
a circulação da moeda, além de fazê-los
constituir família e reconhecer-se como membros
de uma comunidade muito maior que a família ou
o clã – nas formas como essas instituições sociais
se realizavam nesse período –, e como habitantes
de um país, membros de uma nação e submetidos
ao poder de um Estado.
Tudo isso pode parecer algo comum a todos nós,
mas devemos lembrar que os Estados Nacionais, tal
como os conhecemos, são uma invenção iniciada
pelos portugueses a partir do século XII; eles só se
consolidaram como a principal forma de organização
política a partir do século XVIII. Até recentemente,
os Estados europeus ainda fizeram profundas mudanças
em suas fronteiras e, portanto, na definição
da relação de seus habitantes com seus países.
Assim, ser alemão, francês ou inglês é algo relativamente
recente e difícil de ser imaginado pelos camponeses
do século XVII. Da mesma maneira que o final
do feudalismo foi marcado pela criação de padrões de
moeda e de pesos e medidas mais ou menos comuns –
com o objetivo de viabilizar o mercado entre os feudos
–, a constituição dos Estados Nacionais exigia a construção
de identidades ainda difíceis de ser assimiladas.
A presença da escola foi de fundamental importância
para que tais identidades se constituíssem, definindo
uma gramática e um vocabulário únicos para toda
uma nação, além de criar e difundir uma história e
uma geografia que permitissem a todos reconhecer-se
pertencentes a determinado país.
O que tudo isso significa? Por que esse tipo de
escola foi criada e o que, efetivamente, ela substituía?
Se nos lembrarmos que todos os povos conhecidos
criaram os mais diferentes mecanismos de
educar suas novas gerações, a existência da escola
se torna relativamente fácil de ser entendida: de
alguma maneira, e cada povo e cada época de seu
jeito, faz-se necessário que as novas gerações participem
de “ritos de passagem” que as façam se
sentir pertencentes às sociedades que as criam. Na
maior parte da história da humanidade, tais ritos
se realizaram – e em muitas ainda se realizam –
pela retirada de jovens e adolescentes do convívio
familiar e, numa conjunção de ritos, fábulas e pa-
rábolas, todos devem aprender quais são os valores
e fundamentos que dão identidade a seu povo.
As nossas escolas têm, estruturalmente, a mesma
função. Os saberes da família e dos grupos de
relacionamento mais imediatos não são suficientes
para que as novas gerações se sintam participantes
de referências tão extensas e distantes como um
país – e para isso as diversas tradições locais devem
aprender uma única Gramática, uma História
e uma Geografia – ou a noção de pertencer à humanidade
– e assim ter de aprender uma Matemática,
Química, Física e Biologia comum a todos os
povos, além de uma História e uma Geografia que
deem sentido a tudo isso.
Assim, diferentemente das relações sociais nas escalas
de atuação da família e das comunidades mais
imediatas – em que a localização do trabalho e dos
percursos mais básicos da sobrevivência parece suficiente
–, a escola deve cumprir o papel de “mergulhar”
as novas gerações no interior dos valores e linguagens
da civilização a que pertencem, saindo dos
limites da casa ou do bairro, para a escala das nações,
dos países e do planeta como um todo. A escola é
a condição para fazer esta passagem: levar as novas
gerações à condição de pertencer, ao mesmo tempo,
a uma nação e à humanidade, a um país e ao mundo
e, assim, criar as condições para que a sociedade, tal

qual hoje a conhecemos, possa continuar existindo.

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