“Amiúde fazia-se passar por ignorante, sobretudo se julgasse que isso nos agradava. Pois, embora
fosse cego e nunca tivesse aprendido a ler as cartas ou o traçado dos mapas, recebera de nós
uma explicação detalhada do que estávamos fazendo. Quando lhe descrevíamos os fólios do atlas,
franzia o cenho e lançava a cabeça, negando. Então, simulando enfado, sempre nos repreendia.
– Como podem acreditar que os pontos são cidades e que as partes coloridas são reinos? Nenhuma
carta do mundo, nenhuma cor podem explicar uma comunidade.
– Por favor, Betros, não queremos explicar quase nada... Só nos interessa saber onde estão as
cidades e como se chega a elas.
– Mas com essas garatujas ninguém os entenderá. Como vão saber os viajantes que para encontrar
Ispahan terão de alcançar as montanhas do fogo, que são como torres desnudas, e, depois,
perguntar pelos minaretes que tremem, e ainda, entre os odores dos jardins, seguir pelos canais
de irrigação até chegar ao rio da vida?”
Bosch, Alfred. O atlas proibido. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 136-137.
Tal como Betros, o cego, nós, professores de Geografia,
perguntamo-nos, em algum momento da vida, como
faremos para que nossos alunos percebam que o que
se fala dos lugares se confunde com os próprios lugares.
Essa é uma missão das mais difíceis. Olhar o mundo
por meio de mapas, fotografias e palavras é tentar
experimentar a vida exclusivamente pela imaginação.
O que nos coloca numa posição mais confortável é
acreditarmos que não somos capazes de saber das coisas
do mundo se não desenvolvermos nossa capacidade
de imaginar.
Se os pontos são cidades e as áreas coloridas, países,
então precisamos chegar à imaginação de nossos
alunos
para que tais jogos simbólicos deixem de ser o ponto
central de qualquer estranhamento e as perguntas a se fazer
também se confundam com a do cego Betros: Como alcançar
os “canais de irrigação até chegar ao rio da vida”?
Este segundo volume é a continuação do esforço concentrado
em fundir informação com ordenação territorial
e, nesse percurso, evidenciar a linguagem que, por
excelência, pertence à razão geográfica: a Cartografia.
Mapa por mapa, imagem por imagem, o exercício geral
é polemizar sobre a geografia do mundo. De forma
mais intensa que no volume anterior – contando com o
necessário amadurecimento dos alunos –, o que está em
jogo é a construção sistemática da dúvida e, com base
nela, a demonstração de algumas ferramentas conceituais
típicas da tradição geográfica e necessárias à construção
de algumas respostas, sempre provisórias.
Começamos pelo fundamento dinâmico da sociedade
capitalista, que é a fábrica, e dela partimos para mostrar
o significado da localização com o objetivo de fazê-los
compreender as relações que definem a existência de nosso
mundo. Com a fábrica chegamos ao campo; na unidade
desses dois aspectos do processo produtivo, construímos
a condição de ler o que se fala sobre o mundo, isto é,
de tentar compreender preconceitos para, ao desmontá-los,
nos apropriarmos de novos conceitos, novas informações
e, principalmente, novos olhares.
Essa é a ideia com base na qual desejamos que este livro
se torne, efetivamente, uma ferramenta de trabalho.
Para além da eficácia, esperamos que ele ofereça subsídios
para transformarmos o trabalho que está subentendido
no ato de estudar em um dos prazeres que a vida pode
nos proporcionar.
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